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A VENDA DE PAIS A FILHOS E DE AVÓS A NETOS

15 Fevereiro, 2023

Em Portugal, vigora o princípio da liberdade contratual [art.º 405º do Código Civil (CC)], ainda que com exceções, como é o caso do art.º 877º do CC, que o limita, visto que a escolha da parte com quem queremos contratar, está substancialmente diminuta.

Ora, no artigo 877º do CC, temos então presente que os avós não podem vender aos seus netos, da mesma forma que os pais não podem vender aos seus filhos, quando os restantes netos ou filhos não consentirem nessa venda.

Esta proibição acontece apenas com dois vínculos familiares: pais para com filhos, e avós para com netos. E sob o pretexto do não cumprimento do princípio de equidade e justiça, devido à possibilidade acrescida da existência de simulações.

Para se aplicar este artigo, é necessário que estejam reunidos determinados pressupostos. O primeiro é o grau de parentesco entre as partes, pois caso este não existisse, estaríamos perante um regular contrato de compra e venda, prevalecendo o artigo 405º do CC. O segundo é a existência de um legitimo herdeiro de 1ª linha de sucessão que possa contestar, o que não acontece no caso de haver apenas um filho, por exemplo. Por fim, o terceiro, é o prejuízo que possa causar aos descendentes, reforçando a ideia do segundo critério.

Ainda que este artigo seja compreensível à superfície, à medida que o vamos aprofundando, verificamos irregularidades. Por exemplo, se há um prejuízo para o filho ou neto que vêm os seus pais ou avós venderem a um irmão ou primo um bem, porque não o teriam igualmente se aqueles vendessem a um tio ou outro membro da comunidade familiar (reforçando a ideia de que para aplicarmos o 877º CC é imperativo o grau de parentesco)? Será que têm ou não prejuízo? Certamente terão! Mas será que é protegido pelo artigo 877º? Ou estaremos perante uma lacuna?!

A verdade é que é tão prejudicado o filho que não recebe a coisa do pai por este ter simulado ao seu irmão, como pelo facto de aquele ter vendido (a baixo custo por exemplo), ou doado a um sobrinho. O objetivo final deste artigo de proteger os bens do filho ou do neto, não é cumprido nem num caso nem noutro, ficando a disposição do 877º CC sem efeito, ainda que seja cumprida à letra.

Outra questão que carece de resposta, ainda que aparentemente seja claro, é a venda de bisavós a bisnetos. Da leitura do art.º 877º do CC não se depreende qualquer referência a esta relação, logo, não estando regulado, não é proibida a venda. Há autores que assim o consideram, visto que a relação de parentesco entre bisavós e netos não é tão acentuada como a de pais e filhos ou avós e netos, logo, o perigo de simulação de venda não é igualmente tão elevado. Outra tese que nos parece bastante aceitável é exatamente a oposta: o laço afetivo existente entre bisavós e bisnetos não é necessariamente menor do que o existente entre pais e filhos ou entre avós e netos, pelo que deve vigorar nestes também a proibição.

Posto isto, e considerando que o art.º 877º do CC deixa mais perguntas do que respostas, o ideal seria reformula-lo e adaptá-lo às novas realidades, podendo tomar um de dois sentidos: ou regrar ainda mais a relação contratual de venda entre sujeitos com vínculos familiares, ou, por outro lado, liberar por completo todo e qualquer negócio celebrado por parte dos sujeitos passivos com qualquer sujeito ativo, tendo ou não vínculo familiar, seja filho, neto, bisneto ou outro. Relembrando que este ultimo é a solução em vigor em vários países europeus, como a França ou Alemanha, por exemplo.

Em resumo, ainda que noutros países seja possível a disposição dos bens como se entender, em Portugal esta não é a realidade, o que leva a que seja aconselhável proceder à elaboração de testamento, quer por portugueses, quer, especialmente, por cidadãos estrangeiros e ainda um cuidado redobrado sempre que pretender vender ou doar um dos seus bens a um dos seus herdeiros.

A nossa Equipa de Advogados terá todo o prazer em assessorar.

Dra Lúcia Costa

Advogada Estagiária ( Martinez-Echevarría & Ferreira – Vilamoura)

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